Ontem e Hoje

A T E N Ç Ã O: ESTE BLOG É ESCRITO POR MIM, ISMAEL CIRILO, 87 ANOS. PODEM ME CHAMAR DE SOIÉ. (ONTEM E HOJE está sendo publicado na conta de meu filho Cláudio, por isso o perfil dele é que está aparecendo. Coisas do Blogger Beta!).

Minha foto
Nome:
Local: Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

Alguém que sempre quer saber mais: inquieto, crítico, curioso.

terça-feira, dezembro 20, 2005

O FIO DA ARANHA

O FIO DA ARANHA

(LENDA HINDU)

Essa história do Malba Than, que abaixo transcrevo, deve servir de exemplo para muitos.

Kandata, o facínora, tendo expirado sem mostras de arrependimento,
foi pela imutável Justiça atirado à região sombria dos eternos suplícios.

Durante muitos séculos suportou indiferente os tormentos do inferno. Um dia, porém, seu coração foi tocado por um tênue raio de luz de arrependimento. Ajoelhou-se e implorou, em prece fervorosa, a proteção e misericórdia do Senhor da Compaixão.

No mesmo instante, surgiu-lhe à frente a figura radiosa de um anjo, que lhe disse:

- O Senhor da Compaixão ouviu a prece humilde que acabas de proferir. E aqui estou para salvar-te dos castigos tenebrosos do inferno. Ó Kadata! No decorrer de tuas vidas anteriores, houve dia que tivesses assistido a uma boa ação tua, por mais pequena que fosse? Ela te ajudaria, agora, livrando-te dos tormentos que, sem tréguas, te afligirão. Mas nunca espere ver cessados os sofrimentos atuais, conseqüência do teu passado, se conservares ainda sentimentos de egoísmo e se tua alma guardar ainda impurezas da verdade, da luxúria e da inveja. Dize-me, Kadata, se queres sair daqui, qual foi, por acaso, o ato de bondade que em vida praticastes?

- Pelo Deus de Misericórdia! - Exclamou Kadata cheio de profunda tristeza – jamais pratiquei em minha vida passada qualquer ato digno ou louvável. A minha existência foi um rosário interminável de crimes e infâmias de toda espécie!

- Kadata, Continuou o anjo, procura rememorar minuciosamente todas as ações de teu negro passado. Basta um ato verdadeiramente bom de tua parte, um só para obteres o perdão de Deus! Alguma vez socorreste com esmola o desprotegido da sorte?

- Nunca murmurou Kadata, com voz sucumbida.

- Algum dia - prosseguiu o anjo – tiveste uma palavra de consolo ou de bondade para os aflitos e desesperados?

- Nunca!

- Não te moveram, uma só vez, à piedade, os enfermos, nem dispensaste qualquer proteção aos fracos e infelizes?

- Nunca, soluçava Kandata, com o desespero dos arrependidos.

- E para com os animais, nossos irmãos inferiores? – Insistiu ainda o anjo, trataste com crueza, impiedosamente todos os seres do mundo?

- Deus seja louvado! – Exclamou Kandata, - lembro-me de que, certa vez, ao atravessar um bosque, vi uma pequenina aranha que procurava esconder-se sob a relva, “Não pisarei esta pobre aranha”, pensei, “porque é fraca e inofensiva”. Desviei o passo, a fim de poupar a vida ao mísero e tímido animalzinho, teria sido esta uma ação agradável aos olhos do Criador?

- Feliz que és Kandata – respondeu o anjo – esse pequeno ato de bondade que acabas de recordar é, sem dúvida, suficiente para salvar-te do inferno e será a própria aranha do bosque que, em breve te proporcionará, pela vontade divina, o meio único de salvação. Da altura infinita do céu, a aranhazinha vai lançar-te um fio; por ele poderá subir até ao seio do Onipotente!

E isso dizendo o anjo desapareceu.

Quase no mesmo instante viu Kandata, com grande assombro, que um fio de aranha descia das alturas divinas até ao fundo do abismo negro que o torturava. Aquele fio de enganadora fraqueza, representava para ele a salvação, a tão sonhada ventura: estaria, para sempre, livre dos suplício indizíveis do inferno!

Sem hesitar, Kandata agarrou-se a ele e começou a subir. Sentiu desde logo, que o fio - pela vontade do Onipotente – era forte e lhe sustentava perfeitamente o peso do corpo, que balouçava no espaço.

De repente, porém, em meio da escalada, lembrou-se o bandido de olhar para baixo e notou que os seus companheiros de infortúnio procuravam também, à porfia, salvar-se da região dos tormentos, subindo pelo mesmo fio.

- Com certeza não poderá tão delgado fiozinho suportar o peso dessa gente toda – pensou Kandata apavorado. E instigado pelo terrível egoísmo, desejando apenas a própria liberdade – sem lhe importar a desgraça alheia – gritou para as infelizes que já se agarravam, penca infernal, ao fio salvador:

- Larguem miseráveis, larguem que esse fio é só meu!

No mesmo instante partiu-se o fio da aranha e Kandata era para sempre restituído às profundezas em que por tanto tempo sofrera tão duros castigos!

O fio salvador, forte bastante para levar ao céu milhares de criaturas arrependidas de seus crimes, rompera-se ao sofrer o peso do egoísmo que a maldade insinuara num coração.

Desejo todos um feliz e Santo Natal.

Abraços

Ismael

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Visita de autoridade

Essa aconteceu em fevereiro de 1981, há 24 anos. Quem me relatou o acontecido foi Ilídio, meu filho.
Achei tudo muito engraçado, rimos bastante, o Xistinho confirmou, o Ilídio parecia um herói. Mais tarde, eu e Aparecida advertimos nosso filho sobre sua aventura, cuja repetição não poderia ocorrer jamais:

- Somente pessoas desonestas fazem o que você fez.

Ilídio aceitou nosso conselho perfeitamente: Hoje, é engenheiro, casado com Nancy. São pais de um lindo casal de jovens, Mateus Henrique e Larissa, que sentem orgulho do papai.

O Ilídio, irmão do Cláudio, do Prascabeças, foi dispensado do Serviço Militar por excesso de contingente.

Junto a outros na mesma situação, teve de comparecer à Câmara Municipal para receber o Certificado de Reservista, em solenidade com presença de Vereadores daqui de Nova Era.

Todos juraram defender a pátria se preciso fosse e cantaram garbosamente o Hino Nacional Brasileiro.

Após o discurso, os rapazes receberam o Certificado de Isenção ao Serviço Militar, uma carteira verde oliva, com as insígnias do Exercito Brasileiro.

Ilídio é quem conta:

- No dia seguinte fiquei a pensar: É, não vou servir ao exército, essa carteira será de muita utilidade, talvez consigo até um bom emprego, verei.

Um belo dia, eu e Xistinho, filho de um funcionário da Justiça, fomos passear em São Domingos do Prata.

Desde que meu pai, o Soié, do Soié Bar, era rapazinho, bem antes de conhecer minha mãe Aparecida, ele e seus colegas gostavam de visitar a cidade vizinha. Até hoje os rapazes daqui mantêm este costume.

Lá chegando, eu e Xistinho tomamos umas e outras, pois ninguém é de ferro. A seguir encontramos com nossas namoradas e fomos para o clube recreativo onde as meninas entraram. Como não tínhamos convite, fomos barrados.

- Puxa vida, exclamei, como vamos fazer?

- Talvez mais tarde a gente consiga, disse Xistinho. Vamos esperar...

Tive uma idéia:

- Quem sabe com a carteirinha do certificado eu consigo entrar?

Ah, não deu outra! Aproximei-me de um soldado que estava na portaria:

- Boa noite, soldado!

- Boa noite, respondeu.

- Olhe sou sargento do Exército do 12 RI...

Na mesma hora ele bateu continência para mim.

Disse-lhe:

- Fique à vontade, gostaria que você me ajudasse a entrar no salão.

- Olhe, é difícil, mas vou tentar.

Apresento-me ao porteiro que, e se posicionou dizendo:

- Somente com o convite, que deverá ser solicitado ao Presidente do Clube, na secretaria.

(O negócio estava ficando complicado...)

O milico me apresentou ao Presidente, que me recebeu com muita atenção. Mostrei-lhe a carteira, fingindo estar completamente senhor de mim. Fez um exame superficial do documento e falou:

- Não é preciso convite, o senhor é meu convidado, doutor, pode entrar direto!

(Tou dentro!)

No entanto, o porteiro me barrou, novamente. Não desisti e voltei ao Presidente. Logo se desculpou:

- Essas coisas só acontecem aqui no Prata. Raramente comparece uma autoridade e, quando vem, ficam criando dificuldades. Vamos até lá que faço questão de colocá-lo para dentro, pessoalmente! E acrescentou, como que se desculpando:

- É só o senhor mesmo que vai entrar?

- Não, tem aquele cabo ali que está comigo, já fui falando e gritando com autoridade:

- Cabo Xisto! Cabo Xisto! Venha cá!

Xistinho, entre assustado e desconfiado aproximou-se:

- Que é?

- Beleza, uai, então vamos.

O presidente, impressionado com minha demonstração de poder, deu-me uns tapinhas nas costas acrescentando:

- Aproveitem, qualquer coisa me procurem. Estejam à vontade.

(Era tudo o que queríamos).

Fomos logo ao encontro das meninas, com nossas garotas, brincamos, divertimo-nos muito. Ao terminar o baile, aparece o porteiro acompanhado de dois soldados e o presidente do clube, todos caminhando para o nosso lado. Tremi:

- Puxa vida, estou frito!

Quis correr, mas cadê pernas? Os quatro se aproximaram e o Presidente estendeu a mão, me cumprimentou, agradeceu a minha presença acrescentando que todas as vezes que tivesse baile eu já estava convidado:

- Gostei muito da presença de vocês e por nos ter dado segurança.

- Não há de que, senhor presidente. Precisando estaremos aí.