Ontem e Hoje

A T E N Ç Ã O: ESTE BLOG É ESCRITO POR MIM, ISMAEL CIRILO, 87 ANOS. PODEM ME CHAMAR DE SOIÉ. (ONTEM E HOJE está sendo publicado na conta de meu filho Cláudio, por isso o perfil dele é que está aparecendo. Coisas do Blogger Beta!).

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Local: Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

Alguém que sempre quer saber mais: inquieto, crítico, curioso.

sábado, julho 15, 2006

PARECE QUE FOI ONTEM

Parece até que tudo aconteceu ontem, de tão vivas as lembranças dos acontecimentos da vida de meus filhos.

Já contei, aqui, aventuras do Ilídio (aqui também), da Sheila, do Clóvis, do Jaques, etc. Hoje, minha memória se inundou de fatos pitorescos protagonizados pelo meu primogênito Cláudio, do PrasCabeças. Pois ele, também, já fez coisas do Arco da Velha!

Vejam alguns:

Em 20 de outubro de 1953, faleceu aos 95 anos de idade, minha avó paterna, Leopoldina Maria das Neves, prima de Dom Baeta Neves, cardeal metropolitano de São Paulo.
O velório estava sendo preparado na casa de meu tio João Serapião Costa, vovô do poeta Joãozinho Lenjob.
De acordo com a tradição, os familiares estavam armando uma coroa de flores.
No momento de fixar as flores, necessitou-se de barbante para amarra-las. Na casa de meu tio não havia barbante algum. O Cláudio, com menos de 4 anos de idade, garoto muito esperto, saudável e inteligente, não deixou por menos:
- Na oficina do papai tem barbante, vou buscar.

Desceu pela escada e, em desabalada carreira cobriu dois quarteirões até minha oficina de seleiro. Em poucos minutos estava de volta, exibindo, vitorioso, um rolo de barbante. Algumas pessoas presentes, inclusive o meu tio João Serapião, começaram a elogiar a vivacidade do meu filho, dizendo que ele era um menino muito bom, inteligente, prestativo.
- Continue assim, Cláudio, você resolveu tudo em menos de 10 minutos. Não sabíamos como fazer. Parabéns!
O Cláudio, embevecido pelos elogios, disse:
- Pois é, todas as vezes que morrer alguém aqui, é só falar comigo e eu trago o barbante.

TEM MAIS

Minha mãe, Eutargina Martins Batista, fabricava geléia de mocotó.
Que geléia gostosa! Muitos comerciantes daqui de Nova Era compravam o produto para vender a varejo em seus estabelecimentos. Toda semana, levava para a cidade de João Monlevade alguns quilos da geléia ao armazém do Antônio Géo, o qual fazia o pagamento no fim de cada mês.
Nós não tínhamos carro, a viagem era de trem, pela Estrada de Ferro Central do Brasil, a Maria Fumaça. O percurso durava pouco mais de uma hora. Muitas vezes, minha mãe levava o neto Cláudio. É claro que ele adorava o passeio. Ocupava sempre a poltrona da janela do vagão de passageiros, enquanto seus olhos vivazes varriam a paisagem; cachoeiras, ilhotas e corredeiras do rio Piracicaba, vales e montanhas, pastos habitados pelo gado que pastava. Vez por outra, assustava-se com as vigas de aço dos pontilhões, que passavam rente aos vagões.
Era, além de tudo, uma oportunidade para se encontrar com os primos Wagner e Wander. O meu irmão Diló residia em Monlevade. Se automóvel já aguardava a mamãe e o neto na Estação.

Certa vez, uma costureira, amiga e vizinha, pediu à mamãe que levasse uma caixa contendo vestido, véu e grinalda, para uma noiva que se casaria no dia seguinte.
Aconteceu que Diló não estava na Estação no momento da chegada do trem. Minha mãe, então, teria de caminhar um bom pedaço, e pediu ao Cláudio que carregasse a caixa.
Prontamente, meu filho atendeu ao pedido, abraçou o pacote e acompanhou a avó. O sol tinia sobre a calçada, em pleno meio-dia. Após 10 minutos de caminhada, o menino colocou a caixa no chão, assentou em cima e disse:
- Oi vovó, não agüento mais, meus braços e as pernas estão doendo demais. Estou muito cansado.
- É ali pertinho! Vamos, menino!
- Não agüento vovó! Não agüento mesmo!
E permaneceu assentado sobre a caixa, disposto a ficar ali o resto do dia.
Minha mãe não sabia o que fazer! Que situação!

Mais uns 3 minutos e chega o Diló com o carro. Foi recebido com indescritível alegria, não só por causa da providencial carona, mas principalmente porque trazia os primos Wagner e Wander.
Mamãe e Cláudio voltaram outras vezes a Monlevade sem anormalidades. Mas a história da birra correu de boca em boca.

TEM MAIS AINDA

No período de férias escolares, Cláudio recebia a visita de seus primos Wagner e Wander. Que amizade sincera! Entretanto, eu e Aparecida teríamos de ser vigilantes por causa das peraltices dos garotos.
Não posso deixar de esclarecer que, embora o Clóvis tivesse a mesma idade do Wander, participava pouco das brincadeiras, suas amizades eram com outros meninos.

Os três assaltavam quintais e casas,
Faziam caretas aos vizinhos.

Os três anjos sem asas.

Eram demônios sem rabinhos.


Quebravam louças, matavam pintos,

Tomavam conta do terreiro.

Os três anjos sem asas,

Eram uns capetas verdadeiros.


Essas duas estrofes são recordações de meu preferido livro de poesias, lá pela década de 1930, século passado.
Os 3 amigos, jamais procederam como na poesia. Não sei porque me lembrei do livro. Essa minha cabeça...

No quintal de nossa casa, havia algumas árvores frutíferas. Dentre elas, um mamoeiro com apenas um metro e meio de altura, plantado pertinho da cerca que dividia nosso quintal com o terreno do vizinho, pelos fundos. O mamoeiro de raça nanica, já em floração, daria frutos grandes, enormes.

Certo dia, com o auxilio de uma cavadeira, os garotos fizeram uma cova com cerca de 30 centímetros de profundidade perto da porta da cozinha, ato contínuo, com um serrote, cortaram o tronco do mamoeiro, uns 30 centímetros acima do solo e o plantaram na cova, ali perto da cozinha.
Todo orgulhoso, Cláudio chega ao meu lado e diz:
- Papai vem ver o que fiz, olhaqui.
Puxando-me pela mão, aponta o “transplante” que fizera, explicando que, assim, ficaria mais fácil se colherem os frutos. Wagner e Wander acrescentaram:
- Nós ajudamos titio...nós ajudamos, não ficou bom?

Respondi:
- Ficou muito bom, mesmo. O trabalho de vocês está muito caprichado, mas acontece que nenhuma árvore vive sem as raízes, são as raízes que sugam a água para alimentar o tronco, os ramos, as folhas e frutos. Vocês acabaram de matar uma árvore, o mamoeiro.

- Então, papai, disse o Cláudio, vamos plantar outra mudinha?
- Vamos, sim, meninos, vamos logo.

domingo, julho 02, 2006

Clóvis, o caça-fantasmas

Estou de volta contando um causo do meu segundo filho Clóvis Costa.

CLÓVIS tinha aproximadamente 8 anos, lá pelos idos da década de 50 (século passado). Morávamos em uma casa na Praça do Expedicionário,50, aqui mesmo em Nova Era, em frente a um depósito de bebidas (cerveja, uísque, cachaça, licores, conhaques,...) que, mais tarde, tornou-se agência do antigo Banco da Lavoura (atual Banco Real). Hoje, o vasto cômodo é um mini shopping e abriga várias pequenas lojas.

É, até Nova Era tem shopping...

No andar de cima do tal depósito de bebidas funcionava uma Casa de Saúde, onde muitos pacientes conseguiram enganar a morte! Hoje é residência da Família Gustavo Lage.

O depósito tinha 4 grandes portas de madeira, daquelas com duas abas. Constantemente, chegava um caminhão e descarregava algumas caixas e engradados de garrafas. Lá dentro, além das grades cheias empilhadas em ordem, havia também um espaço destinado a sucatas, onde as caixas e garrafas quebradas eram jogadas de qualquer jeito. Muita poeira, teias de aranha, ratos e até morcegos (!) eram vistos por ali.

Clóvis cursava o primário na Escola Estadual Desembargador Drumond, a um quarteirão de nossa casa. Era menino muito comunicativo e “esperto”. Fez muitas amizades com os colegas, tanto com os de sua turma quanto de toda a escola. Sua primeira professora foi D. Maria Pereira, primorosa no ensino das primeiras letras e na educação dos pequenos alunos.


Do Desembargador Drumond
, meu filho partiu para estudar no famoso Colégio do Caraça, na época um dos melhores de Minas e quiçá do Brasil.

Tornou-se engenheiro em Belo Horizonte, reside em um apartamento de cobertura, tendo trabalhado na Telemig. Casou-se com Maria da Consolação Costa. O casal tem dois filhos: Clóvis Fabrício e Lílian Mariana Costa, ambos em fase de conclusão do curso superior.

Após exercer, na Telemig (depois, Telemar), a função de engenheiro, aposentou-se por tempo de serviço e é ator de teatro no “Vida em Cena: Grupo de Teatro Espontâneo.

Voltemos ao caso, antes que me perca em reminiscências outras.

Muito curiosos, ele, alguns colegas de escola e outros vizinhos estavam sempre a explorar os “cantinhos misteriosos” da cidade: depósitos sinistros, terrenos baldios, casas abandonadas, passeios à beira do rio e pelos caminhos do Morro do Pau D’Óleo, onde colhiam pitangas. Era uma colina avantajada, em torno da qual o Rio Piracicaba faz uma graciosa volta, o que o torna quase uma península. Há alguns anos, o antigo vigário resolveu demolir aquela montanha, construiu uma igreja dedicada a São Caetano e loteou o terreno. É a parte “moderna” da cidade, na qual existem residências mais nobres, alguns edifícios e o Fórum da Cidade.

Novamente devaneio. Minha memória acompanhou a história deste lugar e tudo para mim é motivo de recordações e associações.

Retomemos as brincadeiras dos meninos. Ah! os meninos de então se tornaram gente grande. Fernando Vilar é fisioterapeuta em Beverly Hills, na Califórnia! Seu irmão, Marcinho, formou-se médico e acabou falecendo num pavoroso acidente na BR 262. Incluíam-se naquele grupo outros filhos meus: o Cláudio e o Cléver.

Naquela época não havia televisão e o movimento de veículo era quase nulo. A rua era lugar de vida social, brincadeiras, futebol, etc. Os meninos corriam de um lado para outro até o anoitecer. Era hora de descanso. Assentavam-se, então, em frente a nossa casa, batiam papos, rememoravam as aventuras do dia até que os pais anunciavam a hora de “entrar, tomar banho e dormir”.

Passava das nove horas da noite.

Aparecida, minha eterna namorada e Dona Biloca, a vizinha, chamavam os filhos. Cada um respondia:

- Já vou, mamãe!

De repente, uma das abas da porta do depósito de bebidas se abriu devagarinho, rangendo um pouco. Os meninos silenciaram, para se certificar do ruído. Lá estava a porta escancarada e, no interior escuro, bruxuleava a pálida luz de uma vela. O lume, trêmulo, movimentava-se por entre as sombras, desaparecendo aqui e surgindo acolá. O ranger das antigas dobradiças era o único ruído que fazia silenciar até o pio das corujas.

- Coisa estranha, comentou Clóvis, não vimos ninguém entrar, a porta estava fechada antes, nenhuma caminhão...

Lentamente, atravessaram a rua e aproximaram-se. A curiosidade superou o medo.

Quem tem coragem de entrar?

Quem vai abrir a porta toda?

Todos olharam para meu filho:

- Vai você, que mora logo aqui em frente, sussurrou Marcinho.

- É, vai você mesmo. Qualquer coisa e a gente chama seu pai, o Soié.

- Ta bom, eu vou. Mas fiquem de olho, heim?

Clóvis empurrou a parte meio fechada da porta, que rangeu ainda mais. Os meninos, colados nele, arregalavam os olhos, em busca da explicação daquela vela que flutuava no ar, aparecia de um lado, sumia e reaparecia onde menos se esperava. Nenhum ruído, só o foguinho amarelado.

De repente, um grito:

- Menino! Já para dentro!

Foi aquele susto, aquela correria, cada um para sua casa. Um último olhar constatou que a vela desaparecera. O breu era total.
...

Hoje, aqui em Nova Era, é o próprio Clovis quem descreve o acontecido:

- Ao chegar no alpendre de minha casa, olhei para trás e a porta do depósito estava fechada. Como será que a porta se fechou tão depressa? Pensei: Será um fantasma? Hoje é sexta-feira e estamos na Quaresma! Meu Deus, que é isso?

Continua:

- Naquela noite, devo ter conseguido dormir lá pelas onze horas ou meia noite, sei lá. Qualquer barulho na rua fazia meu coração disparar e eu pensava:

- É ele! Está vindo pra cá! Vai me pegar... O fantasma sabe que fui eu quem abriu a porta...

E conclui:

- Manhã seguinte, na escola, comentamos o caso e rimos muito. De volta a casa, depois das aulas, ficamos sabendo que o portão do cemitério tinha sido arrombado e amanhecera escancarado... Será que alguma alma penada teria escapado do túmulo e fora visitar o depósito de bebidas?

Eu, heim!

Yo no creo en brujas pero que las hay... las hay!