Porco no sereno
Hoje vou falar do ontem:
Lá pelos idos de 1938, meu saudoso pai, Sô Ilidinho, era comerciante aqui em Nova Era, no ramo de mercearia, em cujo estabelecimento vendia-se de tudo, ou melhor, quase tudo. Eu, ainda muito novo, já ajudava meu pai no atendimento aos fregueses. Nós conversávamos muito,
Certo dia, meu pai disse-me que, no dia 20 de março, iria matar o porco que estava engordando na “ceva”, pois o aniversário do meu irmão, Diló, estava chegando (22 de março). Seria oferecido aos familiares um jantar caprichado, como só minha saudosa mãe sabia fazer, ela cozinhava muito bem.
Cidade pequena, todos os vizinhos se conheciam e era comum, quando alguém estava a engordar um porco, todos ajudarem com a remessa de sobra de comida e cereal, sendo que a todos o papai prometia um pedaço de carne quando o porco fosse abatido.
Destaco alguns vizinhos: José Custódio, Zeca Álvares, Olinto Araújo, Antônio Pedro, Zé Valentim, Morêto, Antônio Quirino, Peixoto e os meus tios João Serapião, Otaviano Costa e Sanôra
Marcado o dia, José Custódio ofereceu seus préstimos na tarefa do abate, aconselhando ao papai fazer o seguinte: após sacrificar o animal e separar as duas bandas do porco, dependurá-las no terreiro, onde deveria ficar até o dia seguinte, para escorrer.
- Quando a noite chegar, você guarda na despensa e anuncia que ladrões furtaram o porco, que estava a escorrer.
E acrescentou:
- Se você der um pedaço do porco para todos que ajudaram a engordá-lo, quase nada lhe sobrará. Mas se anunciar que o porco foi furtado, ninguém vai ganhar um pedaço de carne, porém o meu pedaço, terá de ser bem maior, bem generoso...
Meu pai, com voz alterada disse:
- Isso nunca! Jamais farei isso! O porco vai ficar no sereno e amanhã todos receberão o pedaço prometido.
No dia seguinte pela manhã, que surpresa desagradável, o papai foi ao terreiro para destrinchar o porco e o mesmo havia desaparecido: alguém o furtara!
{Batidas na porta)
Ao escutar as batidas, papai abre a porta e encontra nada mais nada menos que o seu ajudante de véspera., José Custódio, a quem informa sobre o desaparecimento do porco.
- É assim mesmo, sô Ilídio, disse o Custódio. Continue a afirmar que o porco foi furtado durante a noite, todos irão acreditar. É assim mesmo que se fala, passe para cá o meu pedaço, um naco bem grande.
Papai reafirma que o porco tinha mesmo sido furtado e que jamais procederia daquele modo sugerido.
A noticia do furto correu célere.
Pouco depois aparece lá em casa o meu tio João Serapião, convidando-nos para almoçar na casa dele, convite extensivo a todos lá de casa. Quando chegamos à casa do Serapião, todos aqueles que contribuíram com restos de comida para a engorda do porco estavam ao redor de uma grande mesa, repleta de apetitosos pratos, lombo assado, pernil assado, lingüiça, tutu à mineira, arroz etc. que a dona Maria-de-Joãozinho havia preparado,
Todos bateram palmas para o papai, mostrando a ele que ali estava o porco que havia sido furtado; meu pai, rindo sem parar, aceitou de muito bom grado a alegre brincadeira.
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