Ontem e Hoje

A T E N Ç Ã O: ESTE BLOG É ESCRITO POR MIM, ISMAEL CIRILO, 87 ANOS. PODEM ME CHAMAR DE SOIÉ. (ONTEM E HOJE está sendo publicado na conta de meu filho Cláudio, por isso o perfil dele é que está aparecendo. Coisas do Blogger Beta!).

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Alguém que sempre quer saber mais: inquieto, crítico, curioso.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Uma fábula das mil-e-uma-noites

O LIVRO DO DESTINO

(Malba Tahan)

Certa vez - ha muitos anos - quando voltava de Bagdá, onde fôra vender uma grande partida de peles e tapetes, encontrei num caravançá, (abrigo, refúgio) perto de Damasco um velho árabe de Hedjaz que me chamou de certo modo a atenção. Falava agitado com os mercadores e peregrinos, gesticulando e praguejando sem cessar: fumava constantemente uma mistura forte de fumo e hasehieh e quando ouvia de um dos companheiros uma censura qualquer exclamava apertando entre as mãos o turbante esfarrapado:

- Mae Allah! Ó mulçumano! (Por Deus) Eu já fui poderoso ! Eu já tive o Destino nesta mão!

- É um pobre diabo - Diziam. - Não regula bem do miolo! Allah que o proteja!

- Eu, porém, confesso - sentia irresistível atração pelo desconhecido do turbante esfarrapado. Procurei aproximar-me dele discretamente falei-lhe com brandura e ao fim de algumas horas já havia captado inteiramente a confiança.

- Os homens da caravana me tomavam por doido - ele me disse uma noite quando cavaqueávamos a sós. Não querem acreditar que já tive nas mãos o destino da humanidade inteira. Sim, senhor: o destino do gênero humano!

Esbugalhei os olhos assombrados.

Aquela afirmação insistente de que havia sido senhor do Destino, era característica de seu pobre estado de demência.

O desconhecido, porém, que parecia não perceber os meus sustos e desconfiança, continuou:

- Segundo ensina o Alcorão - o livro de Allah - a vida de todos nós está escrita - maktub ! - por Deus no grande "Livro do Destino". Cada homem tem lá a sua página com tudo o que de bom ou de mau lhe acontecer.

Todos os fatos que ocorrem na terra desde o cair de uma folha seca até a morte de um Califa, estão escritos - estão fatalmente escritos - no livro do Destino!

E sem esperar que o interrogasse continuou:

- Salvei das mãos do cheique Abu Dolak, depois de uma "razziz" (Ataque de beduínos) terrível que esse impiedoso beduíno fizera num acampamento da tribo dos Moriebes, um velho feiticeiro que ia ser enforcado.

Esse feiticeiro, em sinal de gratidão, deu-me um talismã raríssimo que possuía uma pedra negra, pequenina em forma de coração, encontrada, anos antes, dentro de um túmulo de um santo muçulmano. E essa pedra maravilhosa permitia a entrada livre na famosa gruta da Fatalidade, onde se acha - pela vontade de Allah -.

Viajei longos anos até o alto da montanha de Masirah, para além do deserto de Danna, afim chegar á gruta encantada. Um "djin", gênio bondoso que estava de sentinela à porta deixou-me entrar, avisando-me, porém, que só poderia permanecer na gruta por espaço de poucos minutos. Era minha intenção alterar o que estava escrito na página da minha vida e fazer de mim um homem rico e feliz. Bastava acrescentar com a pena que eu já levava. - "será um homem feliz, estimado por todos, terá muita saúde e muito dinheiro!”. Lembrei-me porém de meus inimigos. Poderia, naquele momento fazer grande mal a todos eles. Movido pela idéia única do ódio e vingança, procurei a página de Ali Ben-Homed, o mercador. Li o que ia acontecer a esse meu rival e acrescentei em baixo, sem hesitar, cheio de rancor: - "morrerá pobre, sofrendo os maiores tormentos!” Na página de Zalfah el-Abari escrevi, impiedoso, alterando-lhe a vida inteira: “Perderá todos os haveres, ficará cedo e morrerá de fome e sede no deserto”!

- E na tua vida? Indaguei curioso. - Que fizestes, ó muçulmano na página, em que estava escrito a tua própria existência?

- Ah! Meu amigo! Prosseguiu o desconhecido cheio de mágoa. Nada fiz em meu favor. Preocupado em fazer mal aos outros, esqueci de fazer bem a mim próprio. Semeei largamente o infortúnio e a dor, não colhi a menor parcela de felicidade. Quando lembrei de mim, quando pensei em tornar feliz a minha vida, estava terminado o meu tempo. Surgiu-me sem que eu esperasse, pela frente, um "effrit" (gênio feroz) que me agarrou fortemente e depois de arrancar-me das mãos o talismã me atirou fora da gruta. Caí entre pedras e com a violência do choque perdi os sentidos. Quando recuperei a razão, achei-me ferido e faminto, muito longe da gruta, junto a um oásis do deserto de Oman. Sem o talismã precioso nunca mais pude descobrir o caminho da gruta encantada das montanhas de Massirah!

E concluiu entre suspiros cheios de tristeza: Perdi a única oportunidade de ser rico e feliz!

Seria verdadeira essa estranha aventura?

Até hoje ignoro. O certo é que o triste caso do velho Hdjhaz encerrava um grande ensinamento. Quantos homens há no mundo que, preocupados em fazer o mal a seus semelhantes, se esquecem do bem que podem fazer a si próprios.