Ontem e Hoje

A T E N Ç Ã O: ESTE BLOG É ESCRITO POR MIM, ISMAEL CIRILO, 87 ANOS. PODEM ME CHAMAR DE SOIÉ. (ONTEM E HOJE está sendo publicado na conta de meu filho Cláudio, por isso o perfil dele é que está aparecendo. Coisas do Blogger Beta!).

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Alguém que sempre quer saber mais: inquieto, crítico, curioso.

domingo, julho 02, 2006

Clóvis, o caça-fantasmas

Estou de volta contando um causo do meu segundo filho Clóvis Costa.

CLÓVIS tinha aproximadamente 8 anos, lá pelos idos da década de 50 (século passado). Morávamos em uma casa na Praça do Expedicionário,50, aqui mesmo em Nova Era, em frente a um depósito de bebidas (cerveja, uísque, cachaça, licores, conhaques,...) que, mais tarde, tornou-se agência do antigo Banco da Lavoura (atual Banco Real). Hoje, o vasto cômodo é um mini shopping e abriga várias pequenas lojas.

É, até Nova Era tem shopping...

No andar de cima do tal depósito de bebidas funcionava uma Casa de Saúde, onde muitos pacientes conseguiram enganar a morte! Hoje é residência da Família Gustavo Lage.

O depósito tinha 4 grandes portas de madeira, daquelas com duas abas. Constantemente, chegava um caminhão e descarregava algumas caixas e engradados de garrafas. Lá dentro, além das grades cheias empilhadas em ordem, havia também um espaço destinado a sucatas, onde as caixas e garrafas quebradas eram jogadas de qualquer jeito. Muita poeira, teias de aranha, ratos e até morcegos (!) eram vistos por ali.

Clóvis cursava o primário na Escola Estadual Desembargador Drumond, a um quarteirão de nossa casa. Era menino muito comunicativo e “esperto”. Fez muitas amizades com os colegas, tanto com os de sua turma quanto de toda a escola. Sua primeira professora foi D. Maria Pereira, primorosa no ensino das primeiras letras e na educação dos pequenos alunos.


Do Desembargador Drumond
, meu filho partiu para estudar no famoso Colégio do Caraça, na época um dos melhores de Minas e quiçá do Brasil.

Tornou-se engenheiro em Belo Horizonte, reside em um apartamento de cobertura, tendo trabalhado na Telemig. Casou-se com Maria da Consolação Costa. O casal tem dois filhos: Clóvis Fabrício e Lílian Mariana Costa, ambos em fase de conclusão do curso superior.

Após exercer, na Telemig (depois, Telemar), a função de engenheiro, aposentou-se por tempo de serviço e é ator de teatro no “Vida em Cena: Grupo de Teatro Espontâneo.

Voltemos ao caso, antes que me perca em reminiscências outras.

Muito curiosos, ele, alguns colegas de escola e outros vizinhos estavam sempre a explorar os “cantinhos misteriosos” da cidade: depósitos sinistros, terrenos baldios, casas abandonadas, passeios à beira do rio e pelos caminhos do Morro do Pau D’Óleo, onde colhiam pitangas. Era uma colina avantajada, em torno da qual o Rio Piracicaba faz uma graciosa volta, o que o torna quase uma península. Há alguns anos, o antigo vigário resolveu demolir aquela montanha, construiu uma igreja dedicada a São Caetano e loteou o terreno. É a parte “moderna” da cidade, na qual existem residências mais nobres, alguns edifícios e o Fórum da Cidade.

Novamente devaneio. Minha memória acompanhou a história deste lugar e tudo para mim é motivo de recordações e associações.

Retomemos as brincadeiras dos meninos. Ah! os meninos de então se tornaram gente grande. Fernando Vilar é fisioterapeuta em Beverly Hills, na Califórnia! Seu irmão, Marcinho, formou-se médico e acabou falecendo num pavoroso acidente na BR 262. Incluíam-se naquele grupo outros filhos meus: o Cláudio e o Cléver.

Naquela época não havia televisão e o movimento de veículo era quase nulo. A rua era lugar de vida social, brincadeiras, futebol, etc. Os meninos corriam de um lado para outro até o anoitecer. Era hora de descanso. Assentavam-se, então, em frente a nossa casa, batiam papos, rememoravam as aventuras do dia até que os pais anunciavam a hora de “entrar, tomar banho e dormir”.

Passava das nove horas da noite.

Aparecida, minha eterna namorada e Dona Biloca, a vizinha, chamavam os filhos. Cada um respondia:

- Já vou, mamãe!

De repente, uma das abas da porta do depósito de bebidas se abriu devagarinho, rangendo um pouco. Os meninos silenciaram, para se certificar do ruído. Lá estava a porta escancarada e, no interior escuro, bruxuleava a pálida luz de uma vela. O lume, trêmulo, movimentava-se por entre as sombras, desaparecendo aqui e surgindo acolá. O ranger das antigas dobradiças era o único ruído que fazia silenciar até o pio das corujas.

- Coisa estranha, comentou Clóvis, não vimos ninguém entrar, a porta estava fechada antes, nenhuma caminhão...

Lentamente, atravessaram a rua e aproximaram-se. A curiosidade superou o medo.

Quem tem coragem de entrar?

Quem vai abrir a porta toda?

Todos olharam para meu filho:

- Vai você, que mora logo aqui em frente, sussurrou Marcinho.

- É, vai você mesmo. Qualquer coisa e a gente chama seu pai, o Soié.

- Ta bom, eu vou. Mas fiquem de olho, heim?

Clóvis empurrou a parte meio fechada da porta, que rangeu ainda mais. Os meninos, colados nele, arregalavam os olhos, em busca da explicação daquela vela que flutuava no ar, aparecia de um lado, sumia e reaparecia onde menos se esperava. Nenhum ruído, só o foguinho amarelado.

De repente, um grito:

- Menino! Já para dentro!

Foi aquele susto, aquela correria, cada um para sua casa. Um último olhar constatou que a vela desaparecera. O breu era total.
...

Hoje, aqui em Nova Era, é o próprio Clovis quem descreve o acontecido:

- Ao chegar no alpendre de minha casa, olhei para trás e a porta do depósito estava fechada. Como será que a porta se fechou tão depressa? Pensei: Será um fantasma? Hoje é sexta-feira e estamos na Quaresma! Meu Deus, que é isso?

Continua:

- Naquela noite, devo ter conseguido dormir lá pelas onze horas ou meia noite, sei lá. Qualquer barulho na rua fazia meu coração disparar e eu pensava:

- É ele! Está vindo pra cá! Vai me pegar... O fantasma sabe que fui eu quem abriu a porta...

E conclui:

- Manhã seguinte, na escola, comentamos o caso e rimos muito. De volta a casa, depois das aulas, ficamos sabendo que o portão do cemitério tinha sido arrombado e amanhecera escancarado... Será que alguma alma penada teria escapado do túmulo e fora visitar o depósito de bebidas?

Eu, heim!

Yo no creo en brujas pero que las hay... las hay!