T I R O A O A L V O
Todos nós precisamos de um pequeno descanso e, como não sou de ferro, resolvi passar uma temporada nas cercanias de Belo Horizonte, a linda capital de todos os mineiros. Como é linda!
Na Casa Salles, loja belorizontina especializada em armas e munições, comprei pequena espingarda, os cartuchos, a pólvora e chumbo dos tipos grosso e fino para dar alguns tirinhos em alvo móvel. É claro que registrei o meu pequeno fuzil na Delegacia de Armas e Munições, pois não sou muito bobo e respeito leis.
Ao anoitecer, eu e minha eterna namorada, Aparecida, chegamos à Serra da Moeda, onde nos hospedamos no chalé de meu filho Clóvis.
Lá pelas tantas da noite, após o banho, fomos dormir para o merecido descanso.
Pela manhã, saímos para um passeio no campo. Levei arma ao ombro e munição a tiracolo. Sentimos um agradabilíssimo perfume de flores variadas e admiramos centenas de lindos e coloridos colibris a esvoaçar de flor em flor, sugando o delicioso néctar. Dúzias de borboletas, em espetáculo silencioso, dançavam surpreendente e levíssimo balé.
Preparei, então, a arma, abastecendo-a de um cartucho carregado com chumbo tipo mostarda, aquele fininho.
Mirei os beija-flores e... pimba! Muitos fugiram, outros caíram sobre a relva.
Buscamos o caminho açude, em cujas águas se banhavam peixinhos dourados, lambaris, tilápias e carpas preguiçosas. À margem, sete tartaruguinhas se aqueciam sobre uma pedra lisa, talvez em dúvida se deveriam ou não lançar-se numa aventura aquática.
Não pensei duas vezes. Mais um cartucho no fuzil e... pimba! Imediatamente o improvisado trampolim se transformou numa lápide, repouso eterno para sete tartaruguinhas recém-nascidas! Pensei: “Adeus, quelônios!”
Pouco além, seguimos por um aclive suave, em busca da sombra de frondoso jatobá. Era imenso, com suas folhas verde-escuras. Pena que não era época dos frutos, de casca duríssima, porém deliciosos.
Meu olhar alcançou um casal de joão-de-barro, que me observavam na soleira de sua casa.
Ao estampido do tiro seguiu-se um duplo baque, assinalando aos meus pés que tenho, modéstia à parte, ótima pontaria.
Minha eterna namorada recolheu mais aqueles bichinhos, juntando-os às tartaruguinhas e beija-flores que jaziam no fundo de uma sacola.
Retornamos ao chalé.
Alguém que ouvira tiros telefonara à polícia e já nos aguardava um jovem policial. Nem bem chegamos, o meganha me interroga:
- O delegado me mandou aqui porque o senhor estava dando uns tiros. O que é que aconteceu?
- Apenas matei vinte beija-flores com um tiro só, respondi com naturalidade.
- Não acredito, retrucou admirado.
Então gritei:
- Aparecida, traga as vinte cabecinhas dos passarinhos pro inspetor ver!
Enquanto minha eterna namorada apresentava um amontoado de penas, o inspetor já lavrava a ocorrência:
- E o senhor matou mais algum animal?
- Aparecida, mostra as sete tartaruguinhas que matei com um único tiro!
Enquanto examinava os restos mortais dos minúsculos quelônios, espichou os olhos pro embornal:
- Ah, disse eu, tem aqui mais um casal de joão-de-barro, que matei com um tiro só, de uma única vezada!
Indignado, o policial levanta a voz e quase berra:
- E não veio nenhum inspetor aqui? Isso é desrespeito à natureza!
Com voz mansa, quase que pedindo desculpas, explico:
- Até que topamos com um outro guarda...
E voltando-me para Aparecida:
- Pegue ali a cabeça daquele inspetor que veio reclamar. Vamos mostrar aqui pro guarda.
Guardando a papelada, o jovem me estende a mão:
- Não é necessário, senhor. Não precisa, senhora. Já está tudo esclarecido, e tenho de voltar à delegacia!
Sem olhar para trás, saiu em desabalada carreira, como se diz. Nunca mais foi visto pelas bandas da Serra da Moeda.
Pois é, hoje é 1º de abril... e nada como uma boa história para pegar os incautos.
Em tempo: respeite e preserve a Natureza!
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